quarta-feira, 29 de abril de 2009

A machadada final no ensino público nacional

Claro que a escolaridade vir a ser obrigatória por mais 3 anos do que o que é actualmente poderá beneficiar-me em termos de obtenção de emprego mas, isso não significa que eu deva pensar apenas no meu umbigo. Essa potencial vantagem para professores numa situação extremamente instável, como eu, é mínima se compararmos com o que de mau isto vai provocar.
As escolas não estão preparadas para esta medida. O ensino secundário, actualmente, não dá uma resposta válida para aqueles que decidem frequentá-lo para aprenderem a fazer algo que lhes seja útil no mercado de trabalho. Os cursos profissionais precisam de ser (re)pensados e direccionados para os alunos. Não é por decreto que se convence alunos e pais da utilidade da escola. É apresentando soluções válidas. Só com muito esforço, muito planeamento, muito trabalho prévio, muita formação aos professores, muita experimentação, muita adaptação se poderá começar a pensar numa medida dessas.
Se eu sinto grandes dificuldades em responder agora a alguns miúdos quando eles me perguntam o que andam a fazer na escola até ao 9º ano, imaginem com mais 3. Imagino esses mesmos alunos no dito ensino normal até ao 12º... Anyway, o Santana Castilho tem mais jeito com as palavras do que eu e no seu artigo do público apresenta ideias que vão de encontro às minhas preocupações. Vale a pena ler!

Uma espécie de Jihad educacional

Santana Castilho - 2009-04-29 No Público

'Por ser obrigatória, a escolaridade não é sinónimo de mais e melhor educação Sucedem coisas na Educação que nos remetem para o limbo das verdades absolutas e das guerras sagradas e sugerem uma espécie de Jihad educacional. Com uma diferença de monta: Maomé queria converter; Sócrates quer obrigar. Manter o maior número de almas na escola, quer queiram quer não, tornou-se mais fundamentalista que conseguir conversões ao islamismo. Com uma segunda diferença de monta: Maomé não escapou sem a concorrência de Cristo, Buda ou Vishnu; Sócrates está acompanhado por todos, do CDS ao Bloco, passando pelo PSD e PC, mais sindicatos, associações de pais e outras cortes. Até Louçã gritou aleluia na Assembleia da República. Um bingo politicamente correcto!Blasfemo, eu sou de opinião que obrigar os portugueses a permanecerem na escola até aos 18 anos é um rematado disparate. Eis alguns dos argumentos com que fundamento esta opinião:
1. Vivemos tempos onde as leis e as práticas são cada vez menos democráticas. À bruta aqui, placidamente ali, o polvo socializante do Estado, em verdadeira deriva autoritária, vai-nos sufocando e controlando electronicamente. Os direitos do Estado são constantemente invocados para espezinhar, com a submissão generalizada duma sociedade abúlica, os direitos do cidadão. Serve tudo como argumento: a fuga ao fisco ou as normalizações comunitárias; a dificuldade de esterilizar as colheres de pau ou a bondade de respirar ar puro e fazer jogging ao domingo e feriados. Como pai, não aceito que o Estado decida por mim e pelos meus filhos a educação que eles prosseguem. Como cidadão, quero liberdade para trabalhar aos 16 anos, como, aliás, o próprio Código do Trabalho consigna. Deve o Estado garantir a todos que queiram e tenham capacidade para tal, sublinhe-se, a prossecução de estudos, sem entraves. Mas não deve o Estado impor a Escola a quem já pode ser responsabilizado por crime, sabe o que faz e quer ir trabalhar. Porque ao invés de ser compulsiva, a Educação deve ser tida como um direito. Chega de Estado que diz proteger-nos de tudo menos dele próprio e de uma certa geração política de que o primeiro-ministro é rematado exemplo.
2. Ao argumento anterior, que é teórico, acrescem outros, de natureza prática. Os nove anos de ensino obrigatório, aprovados em 1986, demoraram 10 anos a transpor para a prática efectiva. Ainda hoje não são cumpridos na íntegra. Se teimarmos neste disparate e quisermos manter na Escola, à força e à pressa, quem lá não quer estar ou não tem capacidade para prosseguir estudos, acrescentaremos mais violência e mais indisciplina a um ambiente que já é grave. Tal medida, a não colher o primeiro argumento, pressuporia uma preparação que não foi feita (basta ver a ligeireza da ministra, que não há muito disse que a medida seria um erro, e agora afirma que não precisa nem de mais escolas nem de mais professores para receber os estimados 30.000 novos alunos). Pressuporia uma reformulação completa dos objectivos e das vias do ensino secundário, principalmente quanto ao ensino profissional que, como está, é um criminoso logro. Pressuporia a efectiva gratuidade do ensino, que está longe de estar cumprida no quadro dos 9 anos vigentes. Se uma das causas do actual abandono, que se aproxima dos 40 por cento, radica nesta variável, alguém de bom senso antecipa que a sociedade, com dois milhões de pobres e dois milhões de assistidos, mais de meio milhão de desempregados e PIB a cair aos trambolhões, pague para ficar com os filhos 12 anos sentados na Escola? Com outros salários, com outro nível de vida, talvez. Assim, obviamente não! E não me venham com a falácia das bolsas, que um Estado quase falido não vai pagar logo que passem as eleições. É só olhar para a história de 2005 a 2009 para perceber que estamos nas antípodas da seriedade e no terreno do mais rudimentar marketing político.
3. O que os outros fizeram deve servir-nos para aprender e integrar o nosso processo de decisão. Não temos que inventar a roda, mas não temos que decidir porque os outros fizeram. Chega de servilismos à Europa e à OCDE. Aqui, devemos fazer em cada momento o que é adequado à nossa realidade e à nossa cultura. Mas, sobretudo, não mintam. Quem disse que a maioria dos países da Europa já mantém os jovens na escola até aos 18 anos? Na Europa a 27 só é assim em cinco países (Alemanha, Polónia, Bélgica, Holanda e Hungria). Os outros 22 libertam os jovens da obrigatoriedade do ensino aos 16 anos, ou antes. A Áustria, a Dinamarca, a Suécia e a Finlândia, que não são propriamente atrasados, pertencem a esse grupo e têm uma escolaridade obrigatória de nove anos.Por ser obrigatória, a escolaridade não é sinónimo de mais e melhor educação. Se o interesse for percepcionado e o desejo de aprender for efectivo, não é necessária a obrigatoriedade. Os jovens procurarão livremente mais formação. Mas tal não acontecerá enquanto os longos percursos de escolaridade desembocarem no desemprego ou servirem, tão-só, para alimentar os call centers, que acolhem actualmente 50 mil licenciados ou universitários, a 500 euros de salário, mês sim, mês não. Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)'

2 comentários:

© disse...

é só mais uma medida brilhante em véspera de eleições. se estes senhores passassem uma semanita na escola, dentro de uma sala de aulas, pensariam de outra forma. não tenho dúvidas!!

alfabeta disse...

Vou-te dizer o que podes responder aos teus alunos, precisam do 9º e do 12ºano, porque cada vez mais os anúncios de emprego dizem, precisa-se de empregado com 9º ou 12º ano, até para trabalhar numa Zara ou numa pizaria, infelizmente é assim, por isso andam tantas pessoas a acabar os estudos nas Novas oportunidades, para arranjar um emprego melhor.

E acho que com isto disse tudo.