domingo, 9 de agosto de 2009

'A Sombra da tua Sombra'

"4 de julho de 2008
(sexta-feira)

e agora deve ser com o hediondo objecto que constróis o que nunca tive. deve ser ele a água, o pano e os braços na hora de confortar o estômago. deve ser ele o tudo que eu nunca fui. e deixaste-me, indo em busca de um não sei quê majestoso que nada mais é que um objecto abjecto cuja auto-destruição almejo. preferiste abandonar-me e viajar lá para esses confins de nojo e de horror a lutar comigo, para o melhor e para o pior. preferiste abandonar-me e ter conversas secretas a ouvir os gritos de angústia desta alma. não vou voltar a implorar por ti. um dia, o corpo vai cansar-se desta batalha incessante e não mais poderá lutar por ti. não voltarás a encontrar-me rendido aos teus pés, desfeito em desesperança e em amor. neste momento, levanto-me, erguendo esta alma que não é tua, alçando este corpo que não é teu, e penso apenas nas mágoas que me trouxeste. olho para a imagem que ainda guardo no olhar e tento ver-te sem o teu inolvidável carácter divino: é assim que te quero ver. e é assim que quero que sejas para te poder destruir dentro de mim. e hei-de, meu amor, conseguir libertar-me dessa tua voz suave que me invade os sonhos, desse teu aroma que se apodera de todo o meu corpo, desse teu sabor que teima em agarrar-se à minha língua. e hei-de estilhaçar os nervos do meu cérebro para calar a tua voz, banhar-me em misérias para arrancar o teu cheiro de mim, raspar pedras na língua para deixar de sentir o teu magnificente sabor na minha boca. e hei-de atar as mãos para que não voltem a ser as minhas mãos as tuas que viajam pelo meu corpo e me fazem sentir mais leve. hei-de aguentar, trincar-te, prender a respiração, não me deixar morrer por ti. hás-de sufocar dentro de mim e eu nunca mais te amarei.
contudo, o cone, o oito, a exclamação. e restam-me mentiras. resta-me esperar que voltes para me agarrares a mão, para te agarrar a mão, para seguirmos unos rumo ao futuro em que não creio.
as chaves do reino. estão guardadas. ainda. em mim. no mais infernal do que sou.
o cone. o oito. a exclamação. é isto que eu sou. e o resto não vale.
espero por ti enquanto tento fingir que não te amo – enquanto tento aguentar, trincar-te, prender a respiração e não me deixar morrer por ti. sufoca dentro de mim. inverte o reino. ou volta de uma vez.
farto.
não abre.
num sonho aparente, agarro-te a mão e voo contigo."


Ana Bárbara Pedrosa


Partilho convosco parte do último livro que li. Gostam? Eu gostei! Já tenho uma cópia autografada e com direito a dedicatória pois tive, em tempos, a oportunidade de me cruzar com a autora...

5 comentários:

Ana Bárbara Pedrosa disse...

Eu gosto :D :P
Obrigada :)

dyphia disse...

ja percebi o poquê de pensares em mim... tens toda razão em faze-lo, porque realmente é assim q me sinto... ou plo menos ainda me sinto...

beijos

Icon disse...

AB: ;)

dyphia: tens de ler o livro. é a tua cara (salvo seja pq eu nunca te vi a cara ;)).
beijo

LH disse...

Caro Blu (icon) pré ex Icon;

Revejo-me profundamente neste texto. Está, de facto, simplesmente fantástico. Sentido, muito sentido. Mas, acima de tudo, muito real, pelo menos na fase em que estou.

Obrigado pela lembrança! Um abraço



Ah. Boas férias. :)

Icon disse...

LH: dou-te o mesmo conselho que dei à dyphia. Tens de ler o livro!

Obrigado pelo desejo de boas férias!

Antes de ir ainda digo mais qualquer coisa por aqui! :)